AliCe

Alice já sofrera demais por puro prazer. Castigava-se habilmente noite após noite e sorria quando acordava em uma cama sem lençóis com o sol torrando sua face esbranquiçada. Ela sabia que era santa. Vez ou outra tinha dores fortes no abdômem. Elas sempre passavam e Alice abocanhava um pedaço de filé pra preencher o estômago pequeno que urrava de fome.

27/06/2007 - 08:30 - quarta-feira: Alice decide não fazer mais programas.

Ligou pra uma amiga e dentro de dois meses ela estava morando com uma lésbica de cabeça raspada e trabalhando no controle de qualidade de um grande supermercado. Toda semana fazia com que alguém fosse despedido. Foi jurada de morte por um ex-funcionário e comprou uma maquina de dar choques que carregava dentro da bolsa. No estacionamento de um shopping foi pegar um cigarro e desmaiou com a descarga elétrica. Acordou no hospital quatro horas depois com a sensação que foi violentada.

Duas semanas depois sua namorada descobriu que ela andava transando com o filho do síndico do prédio. Espancou Alice e decidiu ir embora. Três horas depois ela jogou o fiat stilo amarelo embaixo de uma scania de 32 toneladas. Alice não derramou uma lágrima e só conseguiu identificar o corpo por uma mordida na nádega esquerda que tinha dado na noite anterior.

02/08/2008 - 16:47 - sábado: Resolve voltar a fazer programas.

Pinta o cabelo de ruivo, entra pra uma academia e começa a fazer sexo anal com os executivos mais ricos de São Paulo. Compra um carro importado, uma casa na praia, vira alcoólatra e resolve visitar a mãe no sul de Minas. A velha nem olha na cara da filha vagabunda.

Aos quarenta e dois anos tem seu pedido de adoção negado pela justiça só por ser a cafetina mais rica da cidade. Faz tratamento pra se livrar do álcool e se apaixona por seu terapeuta. Eles transam e nunca mais se vêem.

Aos cinqüenta e sete anos descobre um câncer no estomago.

Deitada na cama de um dos hospitais mais caros e sem receber nenhuma visita ela se arrepende por não ter chorado pela morte da lésbica careca. E isso, porque sabe que ninguém vai chorar pela dela.